ROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA. VENDA DE BENS IMÓVEIS. COMO DEVE PROCEDER O MANDANTE E O MANDATÁRIO
Por Francisco DSousa, Advogado
A procuração é um instrumento de mandato. Ou seja, opera-se quando alguém recebe de outrem poderes para, em nome daquele, praticar atos ou administrar interesses.
Esse “alguém”, aquele que irá transmitir os poderes, poderão se apresentar de várias formas: mandante, outorgante, representado. Enquanto quem recebe os poderes poderá se identificado como: mandatário, outorgado, procurador, representante.
O CC/2002, garante que todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante, aquele que está passando os poderes. É de grande alvitre reforçar que, quando alguém passa uma procuração, em regra, só assina o mandante ou outorgante. Contudo, quando se trata de procuração com direito de cessão de bens imóveis, ambos devem assinar, por ter rito diferenciado de outros mandatos.
Dos Requisitos
São requisitos obrigatórios que devem constar na procuração, a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
O mandato, ou seja, a procuração pode ser expressa ou tácita, verbal ou escrito. Todavia, a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Isso significa dizer que não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito.
O mandato pode ser especial a um ou mais negócios determinadamente, ou geral a todos os do mandante.
Nesse sentido, para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos, ou seja, devem estar contidos na procuração, sob pena de nulidade do documento.
Isso porque, os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes e específicos, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar.
Sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome do mandante, será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário pessoalmente obrigado, se agir no seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante.
Das Obrigações do Mandatário, daquele que recebeu os poderes
O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.
Assim, o mandante, ao deferir poderes ao mandatário, e houver proibição de substituição na execução da procuração, o procurador responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento.
Nesse sentido, o mandante é obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo mandatário, na conformidade do mandato conferido, e adiantar a importância das despesas necessárias à execução dele, quando o mandatário lho pedir.
A procuração poderá perder sua validade, ou seja, cessar todos os efeitos anteriormente conferidos ao procurador, se, o próprio mandante a revogar; pela morte de um dos envolvidos (mandante ou mandatário); ou pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer. Exemplo: se qualquer um dos envolvidos se tornar incapaz para os atos da vida civil; ou, ainda, a procuração perderá a validade, quando o próprio procurador/mandatário renunciar ao mandato.
Mandato em “causa própria” nos termos do art. 685 do Código Civil
Todavia, quando o mandante insere no texto da procuração a cláusula "em causa própria", e o mandante vier a falecer, a procuração não poderá ser revogada; não perderá eficácia, nem se extinguirá, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.
Isso significa dizer que quando da confecção do documento, em se tratando de conferir direitos referentes a imóveis, por exemplo, há de ser grafado, na procuração, a expressão “em causa própria. O que legitimará o mandatário a transferir para si mesmo, o bem.
Ademais, é de suma importância que conste na procuração, que será feita nos termos do art. 685 do Código Civil, gerando os efeitos da irrevogabilidade, sendo que eventual revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o procurador dispensado da prestação de contas, e a transmissão efetiva da propriedade imobiliária objeto do instrumento que será outorgada na Escritura Pública Definitiva sem a presença do mandante.
Não havendo esta expressão, diz o CC/2002, e, em havendo negócio para si mesmo, este poderá ser anulado (CC, art. 117), se a procuração não contiver os requisitos do art. 685, do CC/2002, que é justamente a expressão “em causa própria,” bem como a discrição do bem alienado, e o preço da alienação. Isso porque, tratando-se de imóvel o instrumento de mandato deve cumprir os mesmos requisitos da escritura pública de compra e venda.
Desta forma surge a procuração “em causa própria”, como alternativa para o contrato de compra e venda de bens, sobretudo, imobiliários.
Em regra geral, assevera Silvio de Salvo Venosa (Direito Civil, 2007, pág. 335), que o fenômeno da representação, geralmente, é o próprio interessado, com a manifestação de sua vontade, que atua em negócio jurídico. [...]. Contudo, em uma economia evoluída, há a possibilidade, e muitas vezes se obriga, de outro praticar atos da vida civil no lugar do interessado, de forma que o primeiro, o representante, possa conseguir efeitos jurídicos para o segundo, o representado, do mesmo modo que este poderia fazê-lo pessoalmente.
Quão ao mandato, “em causa própria”, tema do estudo, ensina Sílvio de Salvo Venosa, que o instrumento […] presta-se, na verdade, como contrato preliminar para transmissão de direitos, geralmente imobiliários. Autoriza-se o mandatário a adquirir para si mesmo um bem pertencente ao mandante. […] A utilidade da procuração em causa própria reside na cessão de direitos ou promessa de transferir bens do mandante ao mandatário”.
Nesse sentido, vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, acerca das condições do negócio.
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEL POR MEIO DE PROCURAÇÃO, SEM CLÁUSULA ESPECÍFICA DE “EM CAUSA PRÓPRIA” E SEM A PRECISA E CLARA TRANSFERÊNCIA AO MANDATÁRIO DE TODOS OS DIREITOS QUE O MANDANTE POSSUI EM RELAÇÃO AO BEM, IMÓVEL OU MÓVEL DESCRITO NO INSTRUMENTO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS. ENTENDIMENTO QUE ENCONTRA RESSONÂNCIA NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CONCLUSÃO DE QUE O INSTRUMENTO EM ANÁLISE NÃO EXPRESSA, POR PARTE DO MANDANTE, A TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS SOBRE O BEM AO MANDATÁRIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO QUE RECONHECEU A NULIDADE ABSOLUTA DO NEGÓCIO JURÍDICO, E NÃO EM ERRO SUBSTANCIAL. PRETENSÃO DE APLICAR O PRAZO PREVISTO NO ART. 178, § 9º, V, b, DO CC/1916. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. Para a caracterização da procuratio in rem suam, indispensável a existência de cláusula específica que garanta a transferência ao mandatário de todos os direitos do mandante sobre o bem, especificado no instrumento, devendo-se observar, para esse efeito, todas as formalidades legais. Precedentes. 2. Impossibilidade de se rever a conclusão do Tribunal de origem quanto ao reconhecimento de que a procuração em análise não contém cláusula “em causa própria” aposta em seu instrumento, não se identificando, inclusive, de seu teor, a existência de transferência, por parte do mandante, de todos os seus direitos ao mandatário. 3. Verificado que o Tribunal de origem não se baseou em erro substancial do negócio jurídico (causa de anulação), como alega o recorrente, mas sim em causa de nulidade absoluta do negócio jurídico, absolutamente insubsistente a pretensão de fazer incidir o prazo decadencial previsto no art. 178, § 9º, V, b, do Código Civil de 1916. 4. Agravo interno improvido”.(STJ. Resp: 1542151 GO 2015/0164068-6.Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze.Terceira Turma Data de Julgamento: 11/05/2020). (grifou-se)
Conforme se depreende do julgado acima, a procuração com características que garanta a transferência direta de um bem ao próprio mandatário, é procuratio in rem suam. Isso significa que a procuração, in rem suam, não constitui apenas um instrumento de representação, mas uma efetiva cessão de direitos, ou seja, uma transferência, agindo o mandatário em nome próprio, sem temer por revogação ou extinção do mandato, em razão de eventual morte do mandante.
Em síntese, a procuração cujo objetivo seja permitir que o mandatário transmita a propriedade de um bem imóvel para si, deve observar os requisitos da escritura pública de compra e venda, inclusive, quão à forma.
Dito isso, é forçoso reconhecer, que para surtir os efeitos de um instrumento de cessão de direitos, que esse tipo de procuração deve ser feita em cartório de registro de imóveis, onde ficará registrada. Nesse sentido:
“DIREITO CIVIL. NEGÓCIOS JURÍDICOS. INVALIDADES. CESSÃO DE USO DE TÍTULO DE OPERADOR ESPECIAL DA BOLSA DE VALORES. CONSTITUIÇÃO DE MANDATO COM CLÁUSULA “EM CAUSA PRÓPRIA” COMO FORMA DE GARANTIA. ALIENAÇÃO DO TÍTULO PELO CESSIONÁRIO/MANDANTE A TERCEIRO DE BOA-FÉ.1.- O beneficiário de mandato com cláusula “em causa própria”, tem garantido, ante quem lhe outorgou esse mandato, o direito subjetivo de transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do contrato, desde que obedecidas as formalidades legais. 3.-Em face de terceiros, porém, a estipulação só é válida mediante o competente registro em cartório. 4.- Assim, o mandatário não pode pretender a invalidação da alienação posteriormente efetuada pelo mandante, que figurava como regular proprietário do bem, a terceiro de boa-fé. 5.-Resolve-se, pois, a obrigação em perdas e danos, os quais, na hipótese, foram, mesmo, contratual e previamente estipuladas.6.- Recurso Especial a que se nega provimento. (STJ. Resp 1269572/SP. Relator: Ministro Sidnei Beneti. Terceira Turma. Data do Julgamento: 17/04/2012).
Enquanto a procuração não for registrada, não surtirá efeitos perante terceiros, isto é, o imóvel permanecerá em nome do mandante, que, como se sabe, ainda é o proprietário para esse efeito.
Por fim, e não esgotando o tema, é possível quando da lavratura da procuração em causa própria, a possibilidade de se exigir a comprovação do ITBI – imposto de transmissão de bens imóveis Inter vivos, nos termos da Lei n. 7.433/85, art. 1º, § 2º, ou, ainda, na forma da Lei do Estado.