Lei Henry Borel e às aparências com a Lei Maria da Penha
Por Francisco DSousa, Advogado, pós graduado em Direito Penal e Processual Penal, Direito do Consumidor, Direito Previdenciário, e em Direito de Família.
- INTRODUÇÃO
Nos mesmos moldes da Lei Maria da Penha, n. 11.340/2006, o Brasil criou a Lei Henry Borel, n. 14.344 de 24 de maio de 2022, que, inclusive, criou o Dia Nacional de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Criança e o Adolescente (Art. 27), que será comemorado no dia 03 maio de cada ano.
A Lei Henry Borel, além de criar mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, nos termos do § 8º do art. 226, e do § 4º do art. 227 da Constituição Federal e das disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte, também alterou dispositivos do Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848; da Lei de Execução Penal n. 7.210/1984; do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/ 1990; e, da Lei dos Crimes Hediondos, a Lei n. 8.072/1990.
A Lei foi motivada em razão do assassinato do menino brasileiro conhecido por Henry Borel Medeiros (Rio de Janeiro, 3 de maio de 2016 – Rio de Janeiro, 8 de março de 2021), de quatro anos, ocorrido no dia 8 de março de 2021, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
O menino foi assassinado no apartamento onde morava a mãe Monique Medeiros e o padrasto, o médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, mais conhecido como Dr. Jairinho.
O caso gerou grande repercussão no Brasil, sendo muito assemelhado aos casos Isabella Nardoni, ocorrido 13 anos antes, e Bernardo Boldrini, ocorrido 7 anos antes. Também gerou interesse por quase quarenta países, que trouxe maior rigor na punição envolvendo homicídios contra menores de catorze anos além de medidas protetivas específicas para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica.[1]
- DESENVOLVIMENTO
Dispõe no Art. 2º da Lei, que “Configura violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano patrimonial.”
A violência será caracterizada quando ocorrer no âmbito do domicílio ou da residência da criança e do adolescente, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.
Também será abarcada como violência contra a criança e o adolescente, quando, no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que compõem a família natural, ampliada ou substituta, por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa e, ainda, em qualquer relação doméstica e familiar na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, independentemente de coabitação. Ou seja, independe que a criança ou o adolescente resida na mesma residência do agressor, ou da agressora.
É de fundamental importância citar que a Lei Henry Borel passou a considerar a violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, como forma de violação dos direitos humanos (art. 3º), porém, tal proibição de violação já era definida na Lei n. 13.431/2017, que trata de demanda correlata.
Assim, para a caracterização da violência prevista no caput do Art. 2º da Lei Henry Borel, deverão ser observadas as definições estabelecidas na Lei n. 13.431/2017, que dispõe no Art. 4º, as condutas criminosas e as formas de violência contra a criança e o adolescente, que basicamente segue os moldes da Lei Maria da Penha. Vejamos:
A violência física é entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico; a violência psicológica, diz respeito a qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática ( bullying ) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional.
Já a alienação parental, e entendida como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este. Tal fato ocorre quando um dos genitores busca prejudicar o outro genitor quão a formação dos lações afetivos com a outra parte.
- DA ALIENAÇÃO PATENTAL
Nesse particular, ainda que a lei aponte que a alienação parental é tão somente a interferência na formação psicológica da criança e do adolescente, em verdade, a alienação parental é um dos temas mais delicados a ser tratados, como é visto no direito de família, considerando os efeitos psicológicos e emocionais negativos que pode provocar nas relações entre pais e filhos.
A prática caracteriza-se como toda interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos pais, pelos avós ou por qualquer adulto que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância. O objetivo da conduta, na maior parte dos casos, é prejudicar o vínculo da criança ou do adolescente com o genitor. A alienação parental fere, portanto, o direito fundamental da criança à convivência familiar saudável, sendo, ainda, um descumprimento dos deveres relacionados à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela ou guarda.[2]
Alguns comportamentos dos genitores e outros responsáveis, podem caracterizar a alienação parental, tais como: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade e maternidade, dificultar o exercício da autoridade parental, dificultar o contato da criança ou do adolescente com o genitor, dificultar o exercício do direito regulamentado à convivência familiar, omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou o adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço, apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra os avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou o adolescente, mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou do adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com os avós.[3]
No caso das crianças e dos adolescentes submetidos à alienação parental, sinais de ansiedade, nervosismo, agressividade e depressão, entre outros, podem ser indicativos de que a situação está ocorrendo.[4]
A prática da alienação parental é tal grave, que há uma lei específica sobre o tema, é a Lei n. 12.318 de 26 de agosto de 2010.
Dispõe o Art. 6o, da referida lei, que se caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso, I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; e, VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
Tudo isso tem o objetivo de preservar o direito fundamental da convivência familiar saudável, preservando-se o afeto devido nas relações entre filhos e genitores no seio do grupo familiar.
Por fim, não há um tipo penal incriminador que aponte ser a alienação parental crime, com previsão de pena ao alienador.
Também é violência contra criança e adolescente, qualquer conduta que exponha direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha.
A violência sexual é entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda.
O abuso sexual é entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiros.
A exploração sexual comercial é entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico.
O tráfico de pessoas é entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação.
A violência institucional é entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização.
Por fim, a violência patrimonial é aquela entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluídos os destinados a satisfazer suas necessidades, desde que a medida não se enquadre como educacional.
Na ocorrência de situação de violência doméstica e familiar, envolvendo criança e adolescente, estes terão atendimento especializado, que envolverão todos os órgãos e instituições públicas.
Assim como ocorre na Lei Maria da Penha a Lei Henry Borel (Art. 24), também criminalizar quem sabe, soube ou se omitiu em denunciar práticas de crimes contra criança e adolescente, quando diz que qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que constitua violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao serviço de recebimento e monitoramento de denúncias, ao Disque 100 da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao Conselho Tutelar ou à autoridade policial, os quais, por sua vez, tomarão as providências cabíveis.
Quão ao noticiante ou denunciante, a Lei garantirá que seja colocado provisoriamente sob a proteção de órgão de segurança pública, até que o conselho deliberativo decida sobre sua inclusão no programa de proteção (art. 24, § 8º).
Da mesma forma que são deferidas medidas protetivas de urgência na Lei Maria da Penha, a Lei Henry Borel também absorveu o instituto, pois, quando entender necessário, o juiz competente, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da autoridade policial, do Conselho Tutelar ou por solicitação do órgão deliberativo concederá as medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas à eficácia da proteção.
Nesse giro, havendo descumprimento de decisão judicial que defere medida protetiva de urgência prevista nesta Lei, a pena é de detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos (Art. 25). E, havendo prisão em flagrante, apenas a autoridade judiciária poderá conceder fiança.
Também é crime, previsto no Art. 26 da referida Lei, deixar de comunicar à autoridade pública a prática de violência, de tratamento cruel ou degradante ou de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra criança ou adolescente ou o abandono de incapaz, com pena de detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, podendo ser aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte (§ 1º).
Se o crime for praticado por ascendente, parente consanguíneo até terceiro grau, responsável legal, tutor, guardião, padrasto ou madrasta da vítima, a pena será em dobro (§ 2º).
- CONCLUSÃO
Mais uma normativa legal que logo, logo, será mais um instrumento de uso indevido, sobretudo, no direito de família (alienação parental) sob alegação de garantir direitos, como vem ocorrendo na Lei Maria da Penha, onde a parte interessada, na busca de uma tentativa de solução, de guarda e pensão alimentícia, por exemplo, tem como primeiro passo registrar ocorrência policial, para afastar o genitor, como possível agressor, e buscar celeridade na demanda civil.
Nesse sentido, feito a denúncia, a parte demandante tem que apresentar provas de suas declarações, senão se sucumbirá ao vexame de não ver o agressor ser punido ao final da ação.
Em não conseguindo angariar provas que corroborem suas alegações, uma vez que a palavra da vítima, ainda que possua alto relevo de veracidade, deve estar alinhada com outras provas, poderá o denunciante ser processado por crime de Denunciação Caluniosa, Art. 339 do CP, cuja pena é de dois (02) anos a oito (08) anos, de reclusão, e multa, uma vez que a parte denunciante atribui crime a uma pessoa que sabe que é inocente.
É um crime grave, pois “Dar causa a instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém”, é conceituado como crime contra a Administração da Justiça.
O objetivo da norma é proteger a administração da justiça, evitando que acusações mentirosas movimentem desnecessariamente os entes estatais como delegacias, tribunais, Ministério Público, para investigar uma pessoa por um crime que não cometeu.
Fontes:
Lei n. 11.340/2006
Lei n. 14.344/2022
Lei n. 13.431/2017
Lei n. 12.318/2010
https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Henry_Borel
https://mppr.mp.br/Pagina/Direito-de-Familia-Alienacao-parental
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm
Foto:
https://veja.abril.com.br/brasil/so-deus-meu-filho-e-jairinho-sabem-o-que-aconteceu-diz-mae-de-henry
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Henry_Borel
[2] https://mppr.mp.br/Pagina/Direito-de-Familia-Alienacao-parental
[3] https://mppr.mp.br/Pagina/Direito-de-Familia-Alienacao-parental
[4] https://mppr.mp.br/Pagina/Direito-de-Familia-Alienacao-parental